×

Our award-winning reporting has moved

Context provides news and analysis on three of the world’s most critical issues:

climate change, the impact of technology on society, and inclusive economies.

Frigoríficos suspeitos: "lavagem de gado" provoca aumento de desmatamento na Amazônia

by Chris Arsenault e Karla Mendes
Tuesday, 4 July 2017 15:11 GMT

Um segurança sentado no portão de acesso ao frigorífico FrigoAmazonas em Boca do Acre, no estado do Amazonas, em 1º de junho de 2017. Thomson Reuters Foundation/Chris Arsenault

Image Caption and Rights Information

BOCA DO ACRE, 4 de julho (Thomson Reuters Foundation) - No frigorífico FrigoAmazonas, dentro da maior floresta tropical do mundo, o proprietário não mede suas palavras - grande parte do gado processado aqui vem de terras ilegalmente desmatadas.

 

"É impossível comprar gado de terras que não são desmatadas", disse Felipe Oliveira à Thomson Reuters Foundation em seu escritório no frigorífico no estado do Amazonas.

 

"Todo mundo aqui desmata ... senão, é impossível para uma família viver", disse o dono do frigorífico, sentado sob fios elétricos expostos pendendo do teto.

 

Se a floresta amazônica - descrita como os pulmões do planeta por seu papel de sugar o dióxido de carbono, principal vilão da mudança climática - precisa ser salva, abordar o impacto da pecuária é a prioridade mais urgente, dizem os ambientalistas.

 

DESMATAMENTO AUMENTA

 

O desmatamento para pastagens é responsável por 80% da destruição florestal na Amazônia, segundo dados da Universidade de Yale.

 

A taxa de desmatamento na Amazônia aumentou 29% em 2016, segundo dados do governo.

 

Grandes pecuaristas, caminhoneiros e comerciantes criaram esquemas elaborados para "lavar" o gado criado em terras desmatadas ilegalmente e vendê-lo no mercado oficial, afirmam analistas e autoridades.

 

As autoridades brasileiras também ligam o desmatamento ilegal a outros crimes na Amazônia, como trabalho forçado em fazendas ou grilagem de terras por fazendeiros que fraudulentamente registram propriedades ocupadas por pequenos agricultores para produzir gado.

 

Empresários rurais poderosos freqüentemente subornam funcionários do governo ou agentes de registro de terra em cartórios para obter títulos de propriedade, de acordo com promotores de Justiça. Esses lotes registrados ilegalmente são freqüentemente focos de desmatamento.

 

Como o maior exportador mundial de carne bovina e frango, a importância da luta do Brasil para conter o desmatamento ilegal para criação de gado vai muito além dos assentamentos rurais da Amazônia.

 

BATALHAS CONTRA O GADO

 

Em Boca do Acre, um município pobre no estado do Amazonas com casas de madeira e 28 mil habitantes, a pecuária representa mais de 70% da economia, afirmam as autoridades.

 

É uma realidade replicada em cidades em toda a floresta amazônica, muitas vezes dificultando que as autoridades adotem uma linha dura para impor leis sobre o desmatamento.

 

"É impossível para a cidade viver sem o gado", disse à Thomson Reuters Foundation Josimar Fidelquino, secretário de Meio Ambiente e Defesa Civil de Boca do Acre. O município é o maior produtor de gado do Amazonas, segundo Fidelquino.

O frigorífico FrigoAmazonas emprega mais de 100 funcionários. Com botas de borracha lamacenta, jeans rasgados e chapéus de caubói, chegam à fábrica em caminhões a céu aberto para processar 1,2 mil cabeças de gado por mês. O frigorífico produz carne exclusivamente para o mercado local no estado do Amazonas.

 

"A gente sabe que gado ilegal está sendo abatido na cidade", disse Fidelquino, acrescentando que as autoridades estão trabalhando em medidas para permitir que mais gado seja criado em pequenos pedaços de terra.

 

Normalmente, os agricultores simplesmente cortam as árvores em um terreno e permitem que o gado paste livremente, comendo plantas que crescem no matagal. O mesmo número de vacas poderia ser produzido em lotes muito menores com suprimentos de feno ou outros alimentos, afirmam as autoridades.

 

O presidente do Sindicato Rural de Boca do Acre, Paulo Castillo, recusou pedidos de entrevistas sobre os frigoríficos e sua adesão às regras de desmatamento e registro de terras.

 

De acordo com a legislação brasileira, os proprietários de terras da Amazônia devem manter 80% da cobertura florestal de suas propriedades.

 

Alguns fazendeiros locais e donos de frigoríficos dizem que a meta é irreal; os ambientalistas dizem que é essencial.

 

Independentemente disso, as leis sobre a preservação da floresta e a governança da terra não são bem aplicadas em regiões remotas da selva, afirmam analistas.

 

"A Amazônia está como o 'Velho Oeste' estava na América", disse José Puppim de Oliveira, professor da Fundação Getúlio Getúlio Vargas que estuda política fundiária.

 

"As florestas são consideradas improdutivas, assim como as pessoas que vivem lá", disse ele à Thomson Reuters Foundation.

 

‘PROBLEMA CONSTANTE’

 

Enquanto pequenos abatedouros como o FrigoAmazonas produzem para o mercado local ignorando as leis ambientais, eles são responsáveis por uma parte comparativamente pequena do desmatamento da Amazônia, disse Holly Gibbs, professora da Universidade de Wisconsin.

 

Cerca de 90% do gado brasileiro é processado em frigoríficos que podem exportar nacional ou internacionalmente, disse Gibbs, e eles são um motor do desmatamento.

 

Grandes empresas pecuaristas dizem que estão levando o problema a sério, melhorando o monitoramento de fornecedores e trabalhando com o governo e ambientalistas para tentar manter o gado produzido em áreas desmatadas ilegalmente.

 

A brasileira JBS (JBSS3.SA), maior frigorífico do mundo, assegurou não comprar gado de terras desmatadas na Amazônia, disse um funcionário da empresa que está no meio de um escândalo de corrupção política.

 

"Construir uma cadeia de fornecimento livre de desmatamento é um desafio constante para toda a indústria", disse um funcionário da JBS à Thomson Reuters Foundation por e-mail.

 

A empresa tem conseguido impedir que seus fornecedores diretos desmatem, disse o funcionário, mas monitorar fornecedores indiretos continua sendo um "grande desafio".

 

RASTREANDO OS BOIS

 

O gado brasileiro supostamente deveria ter dois números de rastreio para que suas origens pudessem ser rastreadas pelas autoridades.

 

O primeiro é um documento de registro de saúde conhecido como GTA - que mostra que o gado recebeu as devidas vacinas, além informações sobre o histórico de transporte do animal.

 

O segunda é a certificação do Ministério do Meio Ambiente, conhecida como CAR, que certifica que eles foram criados em terras legalmente registradas, aderindo às regras de proteção das florestas.

 

As guias GTA podem ser o "santo graal para acabar com o desmatamento", disse Gibbs, pois funciona como um passaporte para o gado.

 

Esses documentos podem permitir que o gado seja rastreado desde o nascimento até a morte e inclusive quando eles se movem entre as fazendas para assegurar a legalidade. Mas a informação não está publicamente disponível.

 

As empresas concordam. A JBS quer que as autoridades lancem um novo "GTA Verde" para permitir um melhor rastreamento da origem do gado. Autoridades do governo de Boca do Acre disseram que não tinham informações sobre possíveis melhorias no sistema GTA.

 

Sem dados de rastreamento claros, os pecuaristas podem transferir o gado de terras ilegais para propriedades legalmente registradas antes de vendê-los aos matadouros, disse Gibbs.

 

O posto de fiscalização de fronteira do estado do Amazonas, onde os documentos de cada cabeça de gado deveriam ser inspecionados antes de os animais serem transportados para o estado vizinho de Rondônia, está fechado há meses, disse um cozinheiro que trabalha no prédio que está trancado e empoeirado. A falta de verificação dificulta que as empresas monitorem suas cadeias produtivas.

 

De volta ao FrigoAmazonas, o dono do frigorífico, Oliveira, diz que mais papelada num sistema de GTA expandido tornaria a vida ainda mais difícil para os pequenos agricultores.

 

"A maioria dos pequenos agricultores daqui não têm títulos nem registro de suas terras", disse Oliveira. "Como eles vão conseguir esses papéis? Alguns não conseguem nem mesmo assinar seus nomes."

 

* A Society of Environmental Journalists (SEJ) forneceu suporte financeiro de viagem para essa reportagem

 

Our Standards: The Thomson Reuters Trust Principles.


-->