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Part of: Amazônia: crimes sem punição
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Em meio à impunidade, Brasil é classificado como a nação mais mortal do mundo para ativistas da terra

by Chris Arsenault e Karla Mendes
Thursday, 13 July 2017 15:16 GMT

Fazendeiro despejado de sua casa em um conflito de terras com um fazendeiro poderoso posa para uma foto em Boca do Acre, no Estado do Amazonas, em 26 de maio de 2017(Chris Arsenault, Thomson Reuters Foundation)

Image Caption and Rights Information

POCA DO ACRE, 13 de julho (Thomson Reuters Foundation) - Ao lado de tábuas de madeira quebradas e hastes de ferro que faziam parte de sua casa de dois cômodos na floresta amazônica, o agricultor Manoel Freitas da Conceição está na linha de frente do país mais violento do mundo para ativistas do campo.

 

Dados divulgados nesta quinta-feira pelo grupo Global Witness, com sede em Londres, mostraram que 49 dos 200 assassinatos de ativistas de direitos fundiários no ano passado ocorreram no Brasil, tornando o país o mais perigoso do mundo para ativistas.

 

"Quando cheguei aqui, (policiais) já haviam arrombado a porta e levado minhas coisas", disse Conceição, de 36 anos, à Thomson Reuters Foundation, relembrando o momento em que foi expulso de sua residência no sudoeste do Estado do Amazonas há sete meses.

 

"E depois eles jogaram minha casa no chão."

 

Enquanto olha para os destroços de sua casa, vizinhos também dizem que foram expulsos pela polícia militar a mando de um poderoso fazendeiro local que disputava a terra.

 

Segundo ativistas, a impunidade de fazendeiros poderosos em regiões remotas como a Amazônia, junto com o crescente poder do lobby da bancada ruralista no Congresso, está alimentando a violência no campo.

 

Pelo menos 200 pessoas foram mortas em disputas por terras em 2016, contra 185 em 2015, segundo a Global Witness, tornando-se o ano mais sangrento já registrado, com 60% dos assassinatos na América Latina.

 

Para Maristela Lopes da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais na Boca do Acre, a violência está aumentando por causa da desigualdade e da impunidade.

 

"Aqui a lei só beneficia os poderosos", disse da Silva à Thomson Reuters Foundation em uma casa de madeira que serve como sede do sindicato em Boca do Acre.

 

Além de Conceição e seus vizinhos, nos últimos seis meses mais de 200 famílias foram despejadas de suas casas em Boca do Acre, um município com cerca de 30 mil habitantes, disse Silva. "O governo só aprova medidas para favorecer grandes fazendeiros", disse ela.

 

Enquanto a Global Witness registrou 49 assassinatos relacionados a conflitos de terra no Brasil no ano passado,  a Comissão Pastoral da Terra estima que o número seja de 61 - com 2017 como o pior ano da história.

 

INVESTIGAÇÕES EM ANDAMENTO

 

Procuradores federais de Justiça dizem que estão investigando os despejos de Conceição e seus vizinhos como parte de um esforço para reprimir a violência em conflitos de terra.

 

É ilegal usar forças de segurança para derrubar casas sem aviso prévio, sem permitir que os moradores removam seus pertences, explicou o procurador federal Fernando Soave.

 

Mesmo que um pecuarista tivesse uma reivindicação legítima da terra onde Conceição e os outros moravam, os despejos não deveriam acontecer até que houvesse uma reunião pública entre as partes em conflito, afirmou o procurador.

 

"Há muitos despejos ilegais acontecendo nesta região", disse Soave à Thomson Reuters Foundation.

 

Ele afirma temer que os grandes fazendeiros da região formem "milícias armadas" - como em outras áreas rurais - para retirar pequenos agricultores de suas terras caso as as autoridades locais não ajam para reduzir os conflitos.

 

A polícia local, porém, diz que agiu legalmente ao destruir a casa de Conceição e que a impunidade dos grandes fazendeiros não é um grande problema na região.

 

"Nunca faria abuso de autoridade, eu nunca colocaria minha carreira em risco", afirmou o tenente Miqueias Mariano de Oliveira, que liderou as operações na área, à Thomson Reuters Foundation.

 

Segundo ele, os conflitos na área ocorrem porque pequenos agricultores como Conceição "invadem" terras que pertencem a grandes fazendeiros.

 

"O fazendeiro é a vítima. Há um risco crescente de confronto de invasores contra proprietários e morte na região", disse Oliveira.

 

Conceição e seus vizinhos disseram que tinham direito à terra, embora não tivessem o título final de propriedade - um problema comum no Brasil rural, onde a maioria dos agricultores não têm documentos da terra onde trabalham.

 

"Eles disseram que nós invadimos a terra, mas não é verdade", disse o produtor de milho Aureolindo Nascimento Barbosa, de 47 anos.

 

O fazendeiro não foi encontrado para comentar.

 

Analistas acreditam que novas medidas assinadas pelo presidente Michel Temer esta semana vão aumentar ainda mais a violência no campo.

 

Pelas novas regras, proprietários rurais poderão regularizar até 2,5 mil hectares de terras públicas, desde que os cultivem, contra os atuais 1,5 mil hectares.

 

Os apoiadores das mudanças dizem que as medidas ajudarão os agricultores a registrar formalmente suas propriedades, tornando mais fácil para as autoridades rastrearem quem é o dono da terra, reduzindo os conflitos.

 

Mas críticos dizem que a novidade permitirá que grandes fazendeiros reivindiquem terras ocupadas por pequenos agricultores como Conceição.

 

"O novo limite de 2,5 mil hectares pode contribuir para aumentar a violência, a impunidade e a falta de justiça nas reivindicações de terras", disse Josinaldo Aleixo, sociólogo do Instituto Internacional de Educação do Brasil.

 

"Áreas tão grandes como essas só são reivindicadas por grandes fazendeiros."

 

* A Society of Environmental Journalists (SEJ) forneceu suporte financeiro de viagem para essa reportagem

 

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